IBS e CBS na base do ICMS/ISS: insegurança jurídica e retrocesso na Reforma Tributária

17 de outubro de 2025

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e a posterior publicação da Lei Complementar nº 214/2025, iniciou-se oficialmente o processo de transição para o novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil, que substituirá os atuais tributos federais, estaduais e municipais por dois tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Durante esse período de transição, que se estenderá até 2033, ganhou destaque o debate acerca da composição da base de cálculo dos tributos ainda em vigor, em especial o ICMS e o ISS.

Na Lei Complementar nº 214/2025, está previsto expressamente que o ICMS e o ISS não comporão a base de cálculo do IBS e da CBS. A intenção é evitar a chamada tributação em cascata, ou seja, a incidência de um imposto sobre outro. Assim, a apuração do IBS e da CBS deverá ser feita com base no valor da operação descontado da incidência dos tributos antigos.

Ocorre que o texto legal não trouxe previsão equivalente no sentido oposto — ou seja, não esclareceu se o IBS e a CBS comporiam ou não a base de cálculo do ICMS e do ISS durante a convivência dos dois regimes.

Em manifestação pública, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, reconheceu que chegou a ser considerada a exclusão expressa do IBS e da CBS das bases de cálculo do ICMS e do ISS, mas essa possibilidade foi retirada do texto final. Segundo ele, o ideal teria sido deixar explícito que os novos tributos não compõem tais bases, de modo a evitar insegurança jurídica.

Assim, enquanto o texto legal estabelece com clareza que o ICMS e o ISS não integram a base de cálculo do IBS e da CBS, permanece válida, segundo a própria equipe econômica, a interpretação de que, durante a transição, os novos tributos devem compor a base de cálculo do ICMS e do ISS, até que o sistema definitivo esteja totalmente implementado.

Trata-se, contudo, de uma tese logicamente insustentável e juridicamente equivocada. A inclusão do IBS e da CBS nas bases do ICMS e do ISS representa um absurdo jurídico, pois viola os princípios da não-cumulatividade, da neutralidade, da transparência e da simplicidade, além de reabrir antigas disputas que a Reforma Tributária buscou superar.

O que está por trás dessa interpretação são problemas e impactos graves para o sistema tributário e para a economia. Em primeiro lugar, haveria um aumento artificial da carga tributária, já que a inclusão do IBS e da CBS nas bases do ICMS e do ISS resultaria em tributação em cascata, contrariando o princípio da não-cumulatividade e elevando indevidamente os preços de bens e serviços.

Outrossim, abre-se espaço para insegurança jurídica, ao reacender litígios semelhantes à chamada “tese do século” (RE 574.706), em que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento contra a inclusão do ICMS na base do PIS/Cofins. Trata-se também de uma contradição com a própria finalidade da Reforma Tributária, que buscou encerrar definitivamente a era de disputas sobre “tributo na base de tributo”; reabrir esse debate significa esvaziar seus objetivos centrais de neutralidade, simplicidade e transparência. Por fim, não se pode ignorar o risco econômico e político decorrente dessa leitura: maior custo de conformidade para as empresas, perda de competitividade e descrédito em relação à promessa de modernização do sistema.

A AGF Advice segue acompanhando de perto o desenvolvimento da transição para o novo sistema de tributação sobre o consumo, com especial atenção às repercussões econômicas e operacionais para os contribuintes. Nosso compromisso é monitorar não apenas as mudanças legislativas, mas também as interpretações administrativas, fornecendo análise técnica para apoiar a tomada de decisão estratégica em um cenário de adaptação contínua.

AGF Advice – Consultoria Tributária e de Relações Governamentais